Política Ambiental no Brasil
06/04/2010 19:38
Política Ambiental no Brasil
Ione Amaral Silva - Grupo Amigos do Bosque da Freguesia | GT de Meio Ambiente da AGB-RIO
João Batista - APEDEMA/ BICUDA Ecológica | GT de Meio Ambiente da AGB-RIO
Maria Isabel de Jesus Chrysostomo – GT de Meio Ambiente da AGB-RIO
I - Principais Marcos.
A discussão sobre o modelo de desenvolvimento econômico mais compatível com as demandas ambientais teve como marco a Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente, realizada em 1972 em Estocolmo. A partir deste evento foram instituídas políticas e instrumentos legais de cunho ambiental que assumiram, desde então, uma importância crescente no sistema público de vários países do Globo. No caso brasileiro, tivemos como resultado desse evento, o início da montagem da máquina pública voltada para regular as ações dos agentes privados sobre o meio ambiente. É perceptível notar algumas nuances nesse processo de institucionalização ambiental no Brasil, na qual distinguem-se três fases onde posturas particulares foram adotadas pelo Estado em relação a gestão ambiental.
A primeira, representada através de códigos e regulamentos de órgãos específicos, corresponderia a uma fase "normativa - setorial" A segunda fase - de 70 a 80 - caracterizou- se pelo esboço inicial das ações intersetoriais e de redação de uma legislação específica, tendo como marco a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente - SEMA. A terceira fase iniciou-se ao final da década de 80 e representou um prolongamento da segunda fase. Apresentou como característica principal, a idéia de internalização, no âmbito das decisões públicas, da consciência da globalização dos problemas ambientais. Esta fase foi marcada pelo processo de descentralização das ações e disseminação das questões ambientais nos diferentes órgãos públicos. Houve também o primeiro esboço de estruturação dos órgãos ambientais a nível estadual, com a definição de leis e mecanismos que reforçaram o seu aparato político-burocrá tico. Este fase de institucionalização vem se consolidando a partir da atuação dos municípios que assumiram, desde 1988, um papel fundamental na implementação da gestão ambiental.
II - Os descaminhos da descentralização da Política Ambiental: o caso do Rio de Janeiro.
O caráter centralizador da gestão ambiental, predominante até o final da década de 70, começou a apresentar sinais de esgotamento quando tornou-se notório atingir as metas propostas pela política ambiental implementada. O formato dos órgãos, associado a precariedade de recursos humanos e materiais, além do aumento dos conflitos (agudizados pela impossibilidade de regular eficientemente um território com dimensões continentais) apresentaram- se como os principais fatores que levaram ao fim do modelo preconizado. Por outro lado, a publicidade que o meio ambiente assumiu, aliado as crescentes manifestações dos grupos ambientalistas, inclusive internacionais, aceleraram o processo de descentralização da gestão ambiental. É neste contexto que "administração" da natureza federaliza-se assumindo, contraditoriamente ao modelo de gestão pública federal adotado, um viés menos centralizador.
Neste paradigma assinalado que no Rio de Janeiro durante a década 70, políticas de planejamento ambiental são empreendidas, evidenciando- se a incorporação de normas legais mais detalhadas, visando o controle do uso do solo. No cenário político e econômico do estado e da cidade destacavam-se os seguintes fatos: elevadas taxas de crescimento, associadas aos conflitos entre o Estado, o Mercado Imobiliário e sociedade; ii) a pressão das agências internacionais para um maior controle ambiental e, iii) o crescimento do movimento ecológico. Como resultado deste processo, estruturam-se a nível estadual, os órgãos ambientais com a definição de leis e mecanismos que reforçam o seu aparato político-burocrá tico. Tal processo consolidou a participação dos estados, enquanto co-responsáveis pela implementação das políticas ambientais, multiplicando o número de órgãos .
O início da década de 80 foi marcado pelo processo de democratização da sociedade brasileira, e também, pela politização do discurso ambiental. Desta forma, o movimento ecológico ampliou as bases do discurso preservacionista, utilizado fortemente até então. A volta dos exilados (Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis, Carlos Minc, Lizst Vieira) fortaleceu o movimento ambientalista, ao promover uma maior instrumentalização do pensamento ecológico, resultando numa maior mobilização da população em torno desta questão. Cabe lembrar nesta etapa, o surgimento da Assembléia Permanente de Defesa do Meio Ambiente – APEDEMA que constituiu-se como um fórum representativo do movimento ecológico.
Com a nova Carta promulgada em 1988, os municípios assumiram um papel de grande importância no processo de implementação das políticas setoriais. A Constituição transferiu para os governos locais, com o respaldo da sociedade civil, a responsabilidade de promover políticas para efetivação dos preceitos ambientalistas, notadamente, o desenvolvimento sustentável. Assim, após a Constituição Federal houve uma grande demanda legislativa na área federal, estadual e municipal. No caso da cidade do Rio de Janeiro tal avanço pôde ser observado quando então elabora-se a nova Lei Orgânica em 1990 e o Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro - 1993, com a participação de diferentes setores da sociedade.
Após a Eco 92 afirmou-se a tendência de municipalização da gestão ambiental, traduzindo-se, a partir de discussões travadas no interior da máquina pública e no fortalecimento da questão ambiental junto à sociedade. Criou-se então em 1994, a Secretaria de Meio Ambiente, órgão que tinha como principal meta, implantar o sistema de gestão ambiental do município, composto pela Secretaria, pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente, pelo Fundo de Conservação Ambiental e, por fim, pela Fundação de Meio Ambiente.
III- Lutas Ambientais na Cidade do Rio de Janeiro
Serra da Misericórdia
O processo de descentralização da gestão ambiental iniciado na segunda metade da década de 80, vem apresentando uma série de impasses, devido, em parte, ao aumento da crise sócio-econômicos, agravando as tensões sociais, e, também em função, da falta de um mecanismo mais eficiente por parte do Estado no sentido de resguardar as áreas verdes ainda existentes. Mostraremos a seguir dois exemplos de conflito na cidade do Rio de Janeiro, demostrando, em linhas gerais de que forma o Estado vem se posicionando frente as demandas do sociedade.
A área de conflito ambiental, situado na Serra da Misericórdia, faz parte do espaço urbano carioca, com um território de 43,9Km2, localiza-se numa faixa de planície entre a Baía de Guanabara e parte do Maciço da Carioca, sendo entrecortada pela Ferrovia da Leopoldina e Inhaúma e os bairros de Engenho da Rainha e Tomas Coelho – (Mapa 1).
A Serra da Misericórdia está compreendida zona da Leopoldina, formada por um conjunto de bairros e favelas entrecortados pela Ferrovia da Leopoldina e a Avenida Brasil. Este local que se constitui na última área verde da Leopoldina, vem sendo últimos anos, alvo de lutas envolvendo Estado, grileiros, população de baixa renda e entidades ambientalistas. Estes, motivados por interesses divergentes vem empreendendo ações que vão definir um novo contorno espacial na área em questão.
Nos últimos 30 anos a população da região da Leopoldina aumentou vertiginosamente, agravando velhos problemas, dentre eles a ocupação desordenada das encostas da Serra da Misericórdia, onde estão incrustradas muitas favelas. A serra divide a região em duas partes distintas; de um lado uma área de ocupação mais antiga, abrangida pelos bairros do Engenho da Rainha, Inhaúma, Bonsucesso, Ramos, Olaria e Penha; de outro por bairros mais novos como Vila da Penha, Brás de Pina e Vila Kosmos.
Recentemente, o alvo de maior disputa está localizado na região Oeste e Sudoeste da Serra da Misericórdia. Na região Oeste, vem ocorrendo um processo intenso de ocupação irregular que está comprometendo área florestada ainda existente. No Sudoeste, localizado na parte interna da Serra, ocorrem dois problemas: um, já bastante antigo, que é a ação das pedreiras, intensificando o processo erosivo na área e comprometendo a existência dos cursos d’água; e, o outro, o desmatamento em virtude do processo de parcelamento provenientes da oferta de lotes irregulares, oferecidos por grileiros, (ver Mapa 2) .
Histórico da luta
Em junho de 1995, um pequeno movimento social constituído, originalmente, por moradores da Vila da Penha e Vila Kosmos, iniciou a luta pela preservação da Serra da Misericórdia, busca saúde, educação, enfim tudo que represente melhoria da sua qualidade de vida, inclusive lazer e cultura. Como desdobramento deste movimento surgiu então a BICUDA – Associação Em Defesa da Qualidade de Vida, do Meio Ambiente e do Patrimônio Histórico Cultural e Artístico e o Jornal Bicuda Notícias, juntamente com outras entidades como APEDEMA e VERDEJAR.
Esta Entidade, desde então, vem empreendendo uma série de ações no sentido de tornar a Serra de Misericórdia uma área preservada, restrita a ocupação urbana, bastante intensa na área. Com essa perspectiva as entidades conseguem a partir de várias reivindicações, junto aos órgãos públicos competentes, criar uma área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana da Serra da Misericórdia – APARU-, de acordo com o Decreto "N" No 19144 de 14 de novembro de 2000.
A Reserva Florestal da Freguesia
Histórico:
A área denominada "Bosque da Freguesia", está localizada no bairro da Freguesia, na Baixada de Jacarepaguá. O movimento para preservação desta área verde de cerca de 351 000 m2, teve início oficialmente, na metade da década de 80, através de documentos enviados aos órgãos da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro pela Associação de Moradores da Freguesia e Adjacências (AMAF) e posteriormente com adesão de outras entidades comunitárias, preocupadas com a possível destruição da área pelos interesses econômicos.
As terras da área do Bosque pertenciam a fazenda da família Cattramby. Com a venda de parte do terreno para a concessionária Dirija - Distribuidora Rio-Jacarepaguá , da Chevrolet, e rumores de construção de um condomínio em outra parte da antiga fazenda, a comunidade no final da década de 80, preocupada com a destruição da mata que se iniciava na área adquirida pela concessionária se mobilizou mais efetivamente colhendo assinaturas. distribuindo panfletos e organizando passeatas e conseguindo adesão de outras entidades e solicitando aos poderes legislativos estadual e municipal e demais autoridades providências para o seu tombamento.
O Projeto de Lei Nº 1.512 para tombamento da área foi elaborado pelo então vereador Alfredo Sirkis, apresentado em 31 de maio de 1989 à Câmara Municipal do Rio de Janeiro e tombado em 20 de dezembro de 1989.
Considerada Área de Proteção Ambiental (APA) após o seu tombamento a comunidade empreendeu campanha pela desapropriação da área para transforma-la em parque público. Nesta perspectiva foram realizadas diversas ações de conscientização para preservação do Bosque através de atividades culturais e esportivas, bem como negociações com a prefeitura para permutas e desapropriações de terrenos da área.
A comunidade não conseguiu transformar todo terreno de 351 000m2 em área de reserva florestal, porque a Distribuidora Rio-Jacarepaguá de Automóveis conseguiu suspender o tombamento em sua propriedade, alegando já possuir licença de construção antes do tombamento. Outro motivo foi que não houve a permuta de terrenos da prefeitura de uma parte da área (35 000m2 ) pertencente à concessionária, que seria incorporada ao parque público. Mas obteve êxito na revisão do projeto de construção da empresa para reduzir danos ambientais e a destinação pública da área do parque decorrente de doação feita pela Dirija de uma área de 84 839 m2, efetuada mediante Termo de Compromisso, firmado com a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, sendo então criado o Parque Municipal do Bosque da Freguesia foi criado através do decreto Nº 11. 830 de 11 de dezembro de 1992.
O Bosque da Freguesia que compreende o parque público e a área de espólio da família Cattramby e outros, é motivo de atenção constante por parte da comunidade da Baixada de Jacarepaguá.
Na segunda metade da década de 90 o Bosque foi ameaçado pela construção de uma estrada marginal do mesmo que provocaria impacto ambiental de grande intensidade, com perda de quase 20% de sua área. A comunidade em defesa de sua integridade denunciou o projeto ao Ministério Público embargando-o na justiça.
Além da necessária desapropriação pela prefeitura do terreno da área de espólio para incorporação ao Parque Público, o Bosque precisa de tratamento paisagístico, maior segurança para usuários, flora e fauna local, construção e término de benfeitorias necessárias ao seu pleno uso.
Em 1999 foi formado o grupo "Amigos do Bosque da Freguesia"- pessoas interessadas na preservação da última área florestal urbana da Baixada de Jacarepaguá, área remanescente do prolongamento da Floresta da Tijuca com semelhanças entre as mesmas de fauna e de espécies da Mata Atlântica, conforme parecer do IBAMA.
IV - Considerações finais
Ao final da década de 80, mas sobretudo a partir de 90, ocorreu um aprimoramento da legislação ambiental passando os municípios a serem os principais responsáveis pelo gerenciamento dos recursos naturais; os agentes viabilizadores do desenvolvimento sustentável. Tal processo resultou na reestruturação institucional e redefinição da questão ambiental no setor público nas diferentes esferas de atuação.
As mudanças decorrentes no sistema público municipal levou a uma a requalificação da noção de meio ambiente, que em parte, se deve ao avanço do movimento ambientalista em nível local e internacional. A pressão dos diferentes agentes sociais, de um lado, e as demandas sociais não atendidas, de outro (sobretudo as relacionadas a habitação e trabalho), colocam em xeque a viabilidade das políticas ambientais implementadas na cidade do Rio de Janeiro. Assim, as questionáveis soluções encontradas pela administração municipal para resolver os problemas ambientais, têm levado a um aumento das tensões sociais. A ação ambiental do Estado, que absorveu, em parte as políticas sociais, vem assumindo, nesse sentido, um caráter estratégico na cidade e devido ao seu novo papel no seio da administração pública.
De acordo com as questões apontadas no texto, cabe-nos então os seguintes questionamentos? a) até que ponto a adoção de novos instrumentos de regulamentação e controle, como a criação de APA’s e APARU’s devem ser a ferramenta essencial para obter eficiência na gestão do crescimento urbano em áreas vulneráveis do ponto de vista ambiental?; b) como compatibilizar os instrumentos criados sabendo da existência de duas cidades (a formal e a informal), levando em consideração as dificuldades relacionadas ao disciplinamento da cidade formal e por fim, c) como compatibilizar a dinâmica do meio ambiente com a estrutura administrativa ainda vigente.